quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Reflexões sobre o jeito moçambicano de ser e receber

Com lançamento da campanha “Boas Vindas” no dia 10 de Dezembro pelo MITUR, abre-se espaço para um conjunto de reflexões sobre um tema que vem ganhando mais importância na agenda do desenvolvimento turístico nacional. Evidentemente o próprio programa “Boas Vindas” é um sinal disto, refiro-me aqui ao tema da HOSPITALIDADE.

Para começar permita-me que lhe conte como ganhei consciência sobre esta realidade.

Em Setembro deste ano, 2008, tive a oportunidade de colaborar num estudo realizado pela SNV em parceria com o Parque Nacional da Gorongosa. Após 23 dias de trabalho e convivência com as comunidades da região da Serra da Gorongosa, percebi-me pensando o seguinte:

“ Existe um grande caminho por percorrer para desenvolver o turismo nesta região, porém a hospitalidade, gentileza e simpatia deste povo, valem mais do que 10 anos de doações internacionais de apoio ao desenvolvimento”

Foi a partir de minha própria experiência em Gorongosa, e na medida em que tive a oportunidade de conhecer pessoas de diversas Províncias do País, que percebi a força deste valioso capital social e humano de Moçambique.

Por se tratar de uma primeira reflexão que espero que leve a debate o assunto HOSPITALIDADE, acredito que seja importante fazer uma aproximação conceitual ao tema, neste sentido: A final, o que é hospitalidade?

Apenas, com o intuito de localizarmo-nos e sem querer ser exaustivo nem reducionista, podemos entender a hospitalidade de pelo menos dois pontos de vista.

O primeiro, como uma ocupação profissional, uma competência transversal que se espera de todos os profissionais que trabalham na prestação de serviços, principalmente aqueles que atuam nas empresas de turismo.

Por outro lado, podemos entender a hospitalidade como um conjunto de conhecimentos, valores, crenças, atitudes e habilidades que levam um povo a ter um jeito particular de ser, receber e se relacionar com entre se e com os visitantes (turistas), sendo portanto um elemento integrado a cultura nacional.

Neste caso em particular e por se tratar de um tema mais envolvente, prefiro iniciar qualquer reflexão sobre a hospitalidade, a partir do segundo ponto de vista, quer dizer a hospitalidade vista como uma cultura ou “jeito próprio de ser e receber”.

Desde a minha chegada a este país a convite da SNV (Organização Holandesa de Desenvolvimento), pude perceber que o povo Moçambicano embora seja resultado da fusão de um conjunto de povos de diversas etnias, (assim como o Brasil) apresenta-se hoje como um país unificado com uma identidade cultural forte e que compartilha características que permitem



perceber neste povo um jeito único de ser e de receber os visitantes. Isto é o que poderia dar a base para uma reflexão mais ampla sobre isto que se pode denominar de “ Jeito Moçambicano de Ser e Receber”.

Mas, será que existe uma cultura moçambicana de hospitalidade? Existem de fato características próprias a este povo que o diferenciam dos outros povos da região e do mundo? Poderia a hospitalidade do moçambicano, contribuir para o desenvolvimento social, turístico e econômico do país?

Se isto for possível, outros questionamentos surgem: Como fazer isto de forma ética e inclusiva? Como valorizar o jeito moçambicano de ser e receber sem perder a autenticidade ou entrar no mérito da mercantilização da cultura?

Estas são algumas reflexões ou questionamentos iniciais que proponho e acredito encontrarão espaço no contexto das políticas setoriais de educação, desenvolvimento econômico e turismo, assim como no âmbito da pesquisa em Ciências Sociais aqui em Moçambique.

Estes e outros questionamentos poderiam servir de referência para iniciar diálogos, no sentido de reconhecer e dar valor a este ativo “intangível”, a esta, digamos, “segunda pele do moçambicano”.

Para nós que estamos envolvidos com a economia do turismo, não podemos esquecer que é a população local o grande protagonista do turismo e de certa forma responsável pela satisfação dos turistas que visitam um país. Seriam também as pessoas a grande “cola” que dá sentido ao turismo como fenômeno e atividade que se sustenta no intercâmbio de saberes e culturas. Portanto um povo hospitaleiro é uma importante riqueza e um grande capital de um País que aposta no turismo para a diversificação da sua base econômica.

É importante lembrarmos também que a hospitalidade representa em si, um patrimônio popular que não depende da cooperação internacional, nem de grandes investimentos tecnológicos para se desenvolver. A hospitalidade está ali e de maneira evidente no olhar sincero, sorriso e na simpatia do moçambicano, mas também se manifesta de maneira mais profunda e a partir de formas mais elaboradas nas danças tradicionais, nos ritmos, na gastronomia e na produção artística (que é vasta).

Neste momento e como primeira provocação, apenas queria evidenciar a importância de se adquirir consciência sobre esta segunda pele do moçambicano a hospitalidade, no sentido de buscar formas consistentes para sua efetiva valorização e assim poder imprimir definitivamente uma contribuição na marca de Moçambique como destino turístico.

Finalmente, podemos associar ainda a hospitalidade a um elemento da cultura popular que pode vir a colaborar com a consolidação de um clima social positivo, que promove o orgulho de ser moçambicano e que contribui com a auto-estima da população, lembrando que é esta afinal, e na minha opinião, o verdadeiro motor do desenvolvimento sustentável de um País.

Federico Vignati
Assessor Sênior de Desenvolvimento Econômico (Turismo) da SNV.
Autor do Livro: Gestão de Destinos Turísticos
fvignati@snvworld.org

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